terça-feira, 14 de junho de 2016

Orlando 12-01-2016

Alvejados


É difícil dizer o que se sente diante de tanto horror. Se não bastasse o crime, os comentários brasileiros na política e no cotidiano funcionam quase como os tiros disparados na fatídica madrugada... E o silêncio. Ainda há este que se faz como uma barreira entre os tidos normais e os alvos prediletos da intolerância. Resta-me o fazer poético para não calar tamanha dor dentro de mim.


Assassinados todos os dias


Não é pelo dia do amor
É pelo ódio que me destina

Não é por seu guarda-roupa
É pelas vestes que me zomba

Não é por sua naturalidade
É por minha escolha que duvida

Não é por seu prazer
É pelo meu gozo que destorce

Não é por sua honra
É por meu orgulho que degenera

Não é por sua família
É pela união em que me desacredita

Não é por sua descendência
É pelo filho que me proíbe

Não é por seu falatório
É pela intriga em que me põe

Não é por seu discurso
É por minha voz que silencia

Não é por seu livro sagrado
É pela palavra que me fere

Não é por sua paz
É pela violência que me atinge

Não é por minha salvação
É por meu EU que condena

É por meu signo de arco-íris
É pelo ódio que lhe guia
É por minha morte que pede...


13-06-2016

sábado, 20 de setembro de 2014

Confissão

Confesso minha perplexidade quanto ao gênero humano,
Dentre tudo que existe, tudo quanto é diverso,
Tudo que é realizada matéria em unvierso tão vasto.
Pois é este gênero que redefine, espelha, maravilha, transforma, …
Através de palavras concretiza mundos dentro e fora.
É este o algoz e a vítima que redimensiona meu prazer …
É em seus símbolos que me faço mais gênero, menos humano
Enquanto que em seus significados sou mais humano, menos gênero
Lendo-me parece até que a dúvida é minha confissão.
É exatamente isso que faz o humano:
Duvidar sempre e desconhecer …
Para mais fortemente conhecer a própria condição
E vislumbrar realmente seu destino,
Por isso, somos perplexos ...
Por isso, confesso seguir em frente mesmo em dúvida
Mesmo morrendo todos os dias,
Mesmo amando indubitavelmente o outro,
Mesmo renascendo em cada ideia ou alegria,
Mesmo me alimentando de cada gesto do dia a dia,
Mesmo respirando o gênero e suspirando agonia

Mesmo sendo humano, gênero e ventania...

terça-feira, 8 de julho de 2014

Aprende a perder Brasil!

Em coro, as torcidas do mundo inteiro clamam por esse aprendizado: o brasileiro tem que saber perder; parar de reclamar; parar de exigir que os seus grandes jogadores sejam realmente grandes em campo. Afinal, os outros também merecem ganhar...

O problema com essa afirmação é que o brasileiro já sabe perder muito bem. Perde todos os dias, se conforma e continua lutando. Não é a toa que pagamos os maiores tributos e os maiores preços do mundo e permanecemos acreditando que os péssimos serviços (públicos ou privados) oferecidos não nos matem a qualquer momento quando necessitarmos deles. O mais interessante disso tudo, é que já começamos perdendo nessa copa...

Perdemos, quando fomos escolhidos como sede de um evento internacional e nossos governantes planejaram “melhorar” as condições de nossa cidade só por isso. Nós que pagamos as contas, inclusive as deles, não merecemos uma infraestrutura melhor?

Perdemos, quando no meio das comemorações de que “a copa vem aí”, descobrimos que, pelo menos, 80% da população brasileira, que pagou a conta da construção dos estádios, não vai conseguir nem passar por perto deles durante os grandes jogos. Ainda assim, fomos voluntários, trabalhamos gratuitamente para uma instituição milionária ganhar mais dinheiro ainda e impor seu padrão para o mundo, que está obviamente sob seus pés.
Perdemos novamente, quando os grandes cabeças da nação usaram nosso dinheiro para ter uma “bolsa copa” para não serem obrigados a gastar seus milionários salários que contrastam de maneira absurda com o nosso salário mínimo.

Perdemos, agora e futuramente, pois o evento iniciou e para nossa vergonha as benditas obras não estavam terminadas e, sabemos, não o serão realmente, afinal de contas, estamos no Brasil e o povo sabe perder.

Perdemos, ora que novidade, quando nosso hino foi desrespeitado a cada jogo pelo padrão fascista da organizadora do evento.

Perdemos, também, quando uma mídia preocupada em criar um garoto propaganda, praticamente, lavou nossas mentes (ou tentou) com a ideia de que a Seleção é um time de um jogador só. E que, obviamente, sem ele não há mais ninguém em campo. Por isso, esse placar tão expressivo da Alemanha.

Perdemos …

Acredito que já temos essa lição de cor. Na verdade, com o futebol, o brasileiro tenta aprender a ganhar. Fazer sua vida tão difícil ser mais leve com um grito de “campeão” de deixar-nos sem voz. Contudo é hora também, de aprender que a real vitória não está nos pés de 11 homens num campo carregando as cores de nossa bandeira. Está em nossas vidas cotidianas, quando e onde podemos construir uma nova realidade, finalmente vencer.





terça-feira, 1 de maio de 2012

Palavras do poço


Tudo escuro e fluido. Tudo saciado dentro da caverna-planeta... Tudo necessidades e beleza... Tudo espera... Tudo desejo...
Pronto. Chegamos ao mundo, aparentemente vazios em busca de preenchimento. Aí ganhamos um nome: eis o maior dos enganos de nossa cultura. Independente do que somos, independente do que nos tornaremos carregamos o símbolo do desejo alheio como sinônimo de nós mesmos. E quando tal marca não se encaixa, pelo contrário, eclipsa a essência do que faz você ser singular. Dogmas, cânones, leis e normas são uma torrente a nos levar ninguém sabe para onde; quando no meio da enxurrada olhamos fixamente para o espelho descobrimos que estamos travestidos desdo nome até a crença em algo que não somos.
Não consegui ignorar o caso de Gisberta. Travesti brasileira assassinada brutalmente em Portugal. Depois de brilhar em casas de espetáculos e deitar-se com os homens mais importantes, encontrou-se soro positiva, viciada em drogas pesadas e morando em um porão abandonado. Se não bastasse tornar-se essa piada de mal gosto da sociedade, um grupo de “crianças” entre 13 e 16 anos a raptaram, torturaram, sodomizaram e assassinaram... A tola intolerância humana chegou ao limite mais uma vez, a singularidade foi atacada de frente. O compositor português Pedro Abrunhosa traduziu o fato em uma brilhante música, encarnada na voz de Maria Bethânia emociona todos aqueles que não se conformam com injustiças.

Balada de Gisberta
Pedro Abrunhosa

Perdi-me do nome,
Hoje podes chamar-me de tua,
Dancei em palácios,
Hoje danço na rua.
Vesti-me de sonhos,
Hoje visto as bermas da estrada,
De que serve voltar
Quando se volta p'ró nada.
Eu não sei se um Anjo me chama,
Eu não sei dos mil homens na cama
E o céu não pode esperar.
Eu não sei se a noite me leva,
Eu não ouço o meu grito na treva,
E o fim vem-me buscar.
Sambei na avenida,
No escuro fui porta-estandarte,
Apagaram-se as luzes,
É o futuro que parte.
Escrevi o desejo,
Corações que já esqueci,
Com sedas matei
E com ferros morri.
Eu não sei se um Anjo me chama,
Eu não sei dos mil homens na cama
E o céu não pode esperar.
Eu não sei se a noite me leva,
Eu não ouço o meu grito na treva,
E o fim vem-me buscar.
Trouxe pouco,
Levo menos,
E a distância até ao fundo é tão pequena,
No fundo, é tão pequena,
A queda.
E o amor é tão longe,
O amor é tão longe… (…)
E a dor é tão perto.



Perdida do próprio nome, dançando na rua, Gisberta que já tivera sonhos, tornou-se própria margem da estrada, carregou no corpo e na alma as marcas da maldade humana. A noite, os gritos, a crueldade e um fim trágico despacharam-na para o outro lado do mistério. Deste lado, o mistério somos nós mesmos, incapazes de encarar a própria imagem, quando uma nesga desta verdade nos atinge sem lentes ou coberturas, estupefatos reagimos animalescamente. O que chamamos de diferente é um grito de realidade íntima posto para fora. Sim, ela não nasceu mulher, porém é mulher... Quantas de nossas verdades são obrigadas a ficar submersas, quase afogadas no implacável oceano social? Quem não tem seus pulmões encharcados de tais líquidos tóxicos? Na verdade todos estamos travestidos para seguir a correnteza, a diferença é que Gisberta estava travestida de sua essência. E nós, torpes mentirosos, nos incomodamos com a visão do que deveria estar naufragado dentro dela... Do naufragado dentro de nós...
O grande desafio não é castigar as “crianças” que cometeram violência, bullying ou qualquer nome da moda para intolerância humana, elas são apenas os membros de uma besta social alimentada por todos. As “crianças” menos inocentes que você, simplesmente, não se travestiram de civilizadas como nós, puseram em prática o que a sociedade as ensinou em teoria. Castigá-las, reeducá-las: ótimo. Mas quando esta “bela” justiça chegará até nós também? Quando estaremos realmente livres de nossas culpas rumando para algo realmente novo? Hoje me sinto arremessado no poço junto com Gisberta, daqui de baixo no meio da água fétida parece que se está mais seguro do que aí entre os seres humanos que se “amam”.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Mito do Chopptour


Conta a história, quando o tempo ainda era imemorial e as divindades deixavam marcas no mundo em forma de descendentes, um grupo seleto dessas marcas reunia-se sempre na Arcádia em torno de algum conhecimento ou vinho. Dias e noites revesavam-se em suas mentes e corpos; o álcool etílico em suas divinas veias. Aborrecidos diante de um mundo natural, cheio de harmonia no meio de um bosque, resolveram partir em busca de uma eterna aventura.

A cidade era Eficer, cortada por rios que carregavam em suas águas angústias, alegrias, belezas e feiuras. A cidade era contraditória em si... Imensos prédios modernos e templos antigos compunham uma paisagem rica e sobrenatural. A maioria dos mortais, dela residentes, corria de um lado para o outro sem contemplar sua beleza revelada, principalmente, em suas pontes, que historicamente ligam pontos e almas. Neste clima chegaram anunciados por seus caminhares incomuns e suas falas impressionantes. Desejavam adentrar a primeira das tavernas e fazer-se notar.


Ualocin, filho perdido de Hebe e Hércules estava a frente do grupo quando um aparentemente abandonado feixe de cevada encima de uma mesa chamou sua atenção... juntando-se a Acuteb, filho de Afrodite com o Simples pastor da Arcádia, viram nos restos do vegetal uma possibilidade ainda não investigada. Um pouco depois, faziam parte deste grupo Anailuj, filha da Musa e de Hermes; Adidanac, filha de Eros e da ninfa cingida e Elesig, exuberante filha das gargalhadas de um ébrio Pan. Espantados com as possibilidades do material estavam aturdidos.
Usando de seus fios Adidanac enredou todos os jovens participantes da caminhada em um objetivo comum: tornar aquela sensação mais profunda. Anailuj guiando o evento, inspirando seus participantes, tornou os restos do vegetal em líquido que imediatamente ganhou de Ualocin a qualidade de ser uma junção de amargor e desejo, Acuteb deu-lhe a volúpia e Elesig presenteou o futuro divino líquido com a alegria. A beleza dourada e a ligação com a abertura de mentes lhe foram dadas pela filha de Hermes e pela filha de Eros. Estava pronto o líquido da concórdia...
No Olimpo, não feliz com o feito que rivalizava com seu vinho, o deus Baco foi até a plêiade de brincantes que dançavam em torno da recém-inventada bebida; exigiu deles a responsabilidade pelo feito. Mas o grupo era versado nas artes de Momo... Em redor do apaixonado pelo líquido cor do desejo, movimentavam-se, dançavam, mostravam-se... Corpos e almas bebiam, bocas sonorizavam alegria e peles ardiam desejos...
Apaziguado pelo culto a si... o deus sentenciou-os:
- Em torno de tal bebida, que deverá chamar-se cerveja, só os extremos: alegria total ou tristeza completa; unido grupo ou solidão profunda; inteligência divina ou ignorância humana... Em bom uso inquebráveis alianças serão forjadas ou, ao contrário, lares completamente destruídos... Só poderá ser sorvido gelado em grandes quantidades... E a vós, caros inventores, será exigida periódica procissão nas tavernas desta líquida cidade, em cada taverna não podereis permanecer até que o ciclo da noite se feche, sempre de pé ou caminhando, portando seus copos e existências... Serão conhecidos como Chopptour.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Mito do Encontro

Conta a história que havia um complexo de cavernas a oeste de Esparta onde humanos, semideuses e deuses se entregavam a luxúria cega. Lá dentro era impossível que se enxergasse, estavam todos entregues a sorte dos outros quatro sentidos. Duas bacantes tomam conta da entrada do brinquedo do deus Baco, sempre avisando aos incautos chegados de todas as áreas da Terra: “Aí dentro não existem prestígio, idade ou divindade; só o desejo e a sua temível realização”.
Frequentador de suas vielas e esconderijos, Oluas deixava de lado a busca por sabedoria e tranquilidade por alguns instantes de ascendente volúpia sem qualquer restrições, era a sua ascendência deixando seu sangue falar. De suas tristes investidas ficavam apenas as marcas de uma solidão crescente. Mesmo cercados de corpos e prazer, o íntimo daquelas pessoas era surdo aos apelos uns dos outros. Não apelos da carne, mas do espírito. Num desses dias de vagar profundo, Oluas sentiu uma brisa acompanhada de pingos d'água, suaves mãos de toque forte o envolveram. O que se deseja é o que mais se teme... Afastou-se daqueles braços, deu continuidade a sua caminhada.
Rameri surgira de um conflito. Quando o Tifon destruiu o Olimpo e colocava medo nos deuses procurando aplacar a própria ira, avistou uma bela chuva que se dirigia ao mar, desejoso de mais que violência, lançou-se contra a bela manifestação natural: beijando, tocando e se misturando a tudo que a compunha... Nada ficou intocado. A chuva continuou seu trajeto e o monstro voltou a procurar por vingança. Ao chegar no mar, de suas nuvens entre seus pingos cairia também uma criança de cabelos prata e sorriso tímido; fora, assim, adotada pelos pescadores.
Tranquilo, observador e sagaz Rameri tornou-se um bom presságio para a pesca, sempre acompanhado por uma brisa envolvida em doces e raros pingos de chuva. Um dia estava na costa observando os pescadores em seu ofício quando uma serpente marinha gigantesca enrolou-se em dois barcos e se preparava para atacar. Espantado, de seu peito um tufão emergiu, rasgando suas vestes destruindo animal e barcos. Desapontado com sua natureza agressiva até então desconhecida de todos, deixou o lugar, passando a vagar pelas ruas e cidades da Grécia. Ia com frequência às cavernas bacantes. Onde avistou Oluas encantando-se...
Daí por diante, Rameri estava a espreita do triste sábio. Até que num desses dias tórridos de verão, Oluas e Rameri conseguiram se ver na escuridão profunda do desejo. Vozes, afagos, fragrâncias e sabores ditaram o enlace seguidos pelos pensamentos e sentimentos que fizeram dos dois parte de um eterno segundo. Experimentados um do outro e de vias cruzadas dividiram os próprios destinos.
Anailuj, por estes dias de verão, estava a procura de algo que transformasse o calor em alegria. Diante de uma Acrópole abandonada, ruas vazias, belas casas tristes e silêncio monótono, decidiu erguer um monumento a beleza, alegria e desejo. A cidade de Adnilo tornou-se, a um pensamento da bela, um espaço repleto de sons e cores alegres; a bela voz da filha da musa e do deus mensageiro se ouviu em todos os cantos da Terra, nas nuvens ela deixara cravado o convite.
Aos poucos, o vazio deu lugar completude. Adnilo fervia na festa da carne. Os três ali se encontraram novamente, mas agora algo diferia... Oluas acompanhado por Rameri sorria profundamente curado de sua solidão. Nosdliw e Adidnac deram as costas, grande tristeza se fez em meio a bela festa. Anailuj não acreditou na reação de seus convivas, olhou em volta, ao canto além da multidão estava Éris, com seu amargo sorriso. Nos pratos da tríada, os restos das maçãs douradas.
Afastados da turbulência emocional Rameri e Anailuj foram em busca de um antídoto para os três. Ao comando da anfitriã os convidados abriram caminho e revelaram o esconderijo da deusa hedionda, ela não temia aquela aliança. Mas, foi a presunção sua ruína. Envelhecida na aparência e arremessada de um lado para o outro pelo vento, pediu perdão e entregou-lhes a maçã vermelha. Os festejos ainda mais se intensificaram. Chuva de suco da maçã da concórdia precipitou-se sobre todos...