domingo, 11 de dezembro de 2011

Mito do Chopptour


Conta a história, quando o tempo ainda era imemorial e as divindades deixavam marcas no mundo em forma de descendentes, um grupo seleto dessas marcas reunia-se sempre na Arcádia em torno de algum conhecimento ou vinho. Dias e noites revesavam-se em suas mentes e corpos; o álcool etílico em suas divinas veias. Aborrecidos diante de um mundo natural, cheio de harmonia no meio de um bosque, resolveram partir em busca de uma eterna aventura.

A cidade era Eficer, cortada por rios que carregavam em suas águas angústias, alegrias, belezas e feiuras. A cidade era contraditória em si... Imensos prédios modernos e templos antigos compunham uma paisagem rica e sobrenatural. A maioria dos mortais, dela residentes, corria de um lado para o outro sem contemplar sua beleza revelada, principalmente, em suas pontes, que historicamente ligam pontos e almas. Neste clima chegaram anunciados por seus caminhares incomuns e suas falas impressionantes. Desejavam adentrar a primeira das tavernas e fazer-se notar.


Ualocin, filho perdido de Hebe e Hércules estava a frente do grupo quando um aparentemente abandonado feixe de cevada encima de uma mesa chamou sua atenção... juntando-se a Acuteb, filho de Afrodite com o Simples pastor da Arcádia, viram nos restos do vegetal uma possibilidade ainda não investigada. Um pouco depois, faziam parte deste grupo Anailuj, filha da Musa e de Hermes; Adidanac, filha de Eros e da ninfa cingida e Elesig, exuberante filha das gargalhadas de um ébrio Pan. Espantados com as possibilidades do material estavam aturdidos.
Usando de seus fios Adidanac enredou todos os jovens participantes da caminhada em um objetivo comum: tornar aquela sensação mais profunda. Anailuj guiando o evento, inspirando seus participantes, tornou os restos do vegetal em líquido que imediatamente ganhou de Ualocin a qualidade de ser uma junção de amargor e desejo, Acuteb deu-lhe a volúpia e Elesig presenteou o futuro divino líquido com a alegria. A beleza dourada e a ligação com a abertura de mentes lhe foram dadas pela filha de Hermes e pela filha de Eros. Estava pronto o líquido da concórdia...
No Olimpo, não feliz com o feito que rivalizava com seu vinho, o deus Baco foi até a plêiade de brincantes que dançavam em torno da recém-inventada bebida; exigiu deles a responsabilidade pelo feito. Mas o grupo era versado nas artes de Momo... Em redor do apaixonado pelo líquido cor do desejo, movimentavam-se, dançavam, mostravam-se... Corpos e almas bebiam, bocas sonorizavam alegria e peles ardiam desejos...
Apaziguado pelo culto a si... o deus sentenciou-os:
- Em torno de tal bebida, que deverá chamar-se cerveja, só os extremos: alegria total ou tristeza completa; unido grupo ou solidão profunda; inteligência divina ou ignorância humana... Em bom uso inquebráveis alianças serão forjadas ou, ao contrário, lares completamente destruídos... Só poderá ser sorvido gelado em grandes quantidades... E a vós, caros inventores, será exigida periódica procissão nas tavernas desta líquida cidade, em cada taverna não podereis permanecer até que o ciclo da noite se feche, sempre de pé ou caminhando, portando seus copos e existências... Serão conhecidos como Chopptour.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Mito do Encontro

Conta a história que havia um complexo de cavernas a oeste de Esparta onde humanos, semideuses e deuses se entregavam a luxúria cega. Lá dentro era impossível que se enxergasse, estavam todos entregues a sorte dos outros quatro sentidos. Duas bacantes tomam conta da entrada do brinquedo do deus Baco, sempre avisando aos incautos chegados de todas as áreas da Terra: “Aí dentro não existem prestígio, idade ou divindade; só o desejo e a sua temível realização”.
Frequentador de suas vielas e esconderijos, Oluas deixava de lado a busca por sabedoria e tranquilidade por alguns instantes de ascendente volúpia sem qualquer restrições, era a sua ascendência deixando seu sangue falar. De suas tristes investidas ficavam apenas as marcas de uma solidão crescente. Mesmo cercados de corpos e prazer, o íntimo daquelas pessoas era surdo aos apelos uns dos outros. Não apelos da carne, mas do espírito. Num desses dias de vagar profundo, Oluas sentiu uma brisa acompanhada de pingos d'água, suaves mãos de toque forte o envolveram. O que se deseja é o que mais se teme... Afastou-se daqueles braços, deu continuidade a sua caminhada.
Rameri surgira de um conflito. Quando o Tifon destruiu o Olimpo e colocava medo nos deuses procurando aplacar a própria ira, avistou uma bela chuva que se dirigia ao mar, desejoso de mais que violência, lançou-se contra a bela manifestação natural: beijando, tocando e se misturando a tudo que a compunha... Nada ficou intocado. A chuva continuou seu trajeto e o monstro voltou a procurar por vingança. Ao chegar no mar, de suas nuvens entre seus pingos cairia também uma criança de cabelos prata e sorriso tímido; fora, assim, adotada pelos pescadores.
Tranquilo, observador e sagaz Rameri tornou-se um bom presságio para a pesca, sempre acompanhado por uma brisa envolvida em doces e raros pingos de chuva. Um dia estava na costa observando os pescadores em seu ofício quando uma serpente marinha gigantesca enrolou-se em dois barcos e se preparava para atacar. Espantado, de seu peito um tufão emergiu, rasgando suas vestes destruindo animal e barcos. Desapontado com sua natureza agressiva até então desconhecida de todos, deixou o lugar, passando a vagar pelas ruas e cidades da Grécia. Ia com frequência às cavernas bacantes. Onde avistou Oluas encantando-se...
Daí por diante, Rameri estava a espreita do triste sábio. Até que num desses dias tórridos de verão, Oluas e Rameri conseguiram se ver na escuridão profunda do desejo. Vozes, afagos, fragrâncias e sabores ditaram o enlace seguidos pelos pensamentos e sentimentos que fizeram dos dois parte de um eterno segundo. Experimentados um do outro e de vias cruzadas dividiram os próprios destinos.
Anailuj, por estes dias de verão, estava a procura de algo que transformasse o calor em alegria. Diante de uma Acrópole abandonada, ruas vazias, belas casas tristes e silêncio monótono, decidiu erguer um monumento a beleza, alegria e desejo. A cidade de Adnilo tornou-se, a um pensamento da bela, um espaço repleto de sons e cores alegres; a bela voz da filha da musa e do deus mensageiro se ouviu em todos os cantos da Terra, nas nuvens ela deixara cravado o convite.
Aos poucos, o vazio deu lugar completude. Adnilo fervia na festa da carne. Os três ali se encontraram novamente, mas agora algo diferia... Oluas acompanhado por Rameri sorria profundamente curado de sua solidão. Nosdliw e Adidnac deram as costas, grande tristeza se fez em meio a bela festa. Anailuj não acreditou na reação de seus convivas, olhou em volta, ao canto além da multidão estava Éris, com seu amargo sorriso. Nos pratos da tríada, os restos das maçãs douradas.
Afastados da turbulência emocional Rameri e Anailuj foram em busca de um antídoto para os três. Ao comando da anfitriã os convidados abriram caminho e revelaram o esconderijo da deusa hedionda, ela não temia aquela aliança. Mas, foi a presunção sua ruína. Envelhecida na aparência e arremessada de um lado para o outro pelo vento, pediu perdão e entregou-lhes a maçã vermelha. Os festejos ainda mais se intensificaram. Chuva de suco da maçã da concórdia precipitou-se sobre todos...

domingo, 16 de outubro de 2011

Mito da tríade

Conta a história que três criaturas nasceram na mesma hora. De origens completamente distintas, encontraram-se e tornaram-se surpreendentemente partes uns dos outros... Mesmo estando separados, um diz dos outros... É como se o Amor tivesse usado uma flecha trifurcada acertando-os onde mais desejavam.
Adidnac nasceu de encontro interessante entre Eros, já adulto, e uma ninfa presa em trepadeiras, a bela voz a pedir socorro e o corpo cingido pelo vegetal atraíram o jovem deus ao cárcere que tornar-se-ia ninho de amor. Depois de consumado o ato, envergonhado, o alado deus resolveu ir embora deixando a ninfa por se desembaraçar sozinha. Adidnac cresceu forte e curiosa... A tudo e a todos interrogava em busca de respostas para sua compreensão de mundo. Um determinado dia, estava por andar em uma cidade quando ouviu sons de uma briga terrível entre recém-casados. Parada em frente a casa, ela e uma multidão assistiam espantados a tamanha demonstração de agressividade e falta de amor.
- Que houve? - perguntou Adidnac a um dos espectadores estranhamente interessada na cena, foi de pronto respondida.
- Eles eram o casal mais feliz da cidade antes do matrimônio, dizem até que foi o próprio Eros que usou suas flechas para uni-los, no entanto após o casamento se descobriram muito diferentes, não conseguindo o amor mantê-los em sua divina condição.
Ao ouvir o nome de seu distante pai, um arrepio cortou-lhe o corpo e seus olhos brilharam cheios de lágrimas, instintivamente rasgou um pedaço de sua túnica e desfazendo-o em fios enlaçou os até então inimigos. Os laços que eram de mera fazenda tornaram-se dourados e depois espiritualizaram-se... Os olhares dos adversários mudaram; viram-se, então, no que mais lhes agradavam um no outro, as amarras reatadas trouxeram de volta a paixão perdida no meio de um caminho que deveria ser de valorização do amor e não de deterioração do mais sublime dos sentimentos. Aclamada por todos na cidade, saiu de lá como a guardiã dos laços que prendem as pessoas, onde havia uniões seus fios estavam lá. Contudo, com o caminhar de suas atribuições, veio a necessidade de quebrar certos laços forjados prejudiciais às partes, quando ela passou a usar, também, a tesoura e desfazer uniões insalubres.
Nosdliw tinha uma peculiar origem. O Tempo em constante fuga se sentiu simplesmente só, às portas do mundo inferior viu sua irmã Medusa distante e só... Foi em direção à mais sozinha das criaturas da Terra, agarrou-a pelas serpentes e mantendo-a de costas possuiu a criatura impiedosamente, deixando-a para trás atordoada. Meses depois, uma das filhas do Tempo foi chamada às portas do inferno. E espantada, viu uma criança abandonada no altar de pedra... Reconhecendo no menino o próprio sangue decidiu criá-lo longe daquela criatura incapaz de amar...
Vigoroso, rápido e inconstante Nosdliw cresceu em tempo incomum para os outros seres. Levava consigo um calor constante e, ao contrário da mãe, transformava as pessoas em versões mais dinâmicas de si mesmas. Tornara-se um agente das transformações tanto de coisas como de pessoas. Em seus olhos de serpentes percebia-se o legado de sua mãe e no eterno mudar, o de seu pai. Em uma de suas caminhadas encontrara uma mulher amargurada pela ausência de seu amor, solícito desposou-a libertando-a do cárcere de suas convicções... Ela deixaria o enlace transformada interiormente decidida a amar a delicadeza, não a força e lutar dispensando protetores; na verdade todas as mulheres ali, naquela aldeia abandonada pelos homens, foram tocadas pela mudança. Montaram em seus cavalos pegaram de suas armas, saíram livres.
Oluas nascera de um incomum impasse. Apolo recebera um presente de Baco: uma taça repleta do mais puro vinho; ao dirigir seu magnífico carro sobre os céus o deus brilhante fitou despretensiosamente a superfície do Rio Acheloos, que revelava um azul sem igual, distraído bebeu o conteúdo de seu presente, quando de pronto descobriu um engodo: o líquido licoroso era o extrato reprodutor do deus dos prazeres, cuspindo o entorpecente e seguindo revoltado sua viagem. Os fluidos dos dois deuses precipitaram-se sobre o belíssimo azul... Nas margens, uma criança já nascida adulta teria nos pastores e ninfas seus tutores e em um de seus pais, o Rio, os conselhos mais sábios.
Taciturno, calmo e criativo Oluas deu início a uma caminhada por terras conhecidas e desconhecidas em busca de sabedoria e prazer... Ao chegar numa pequena cidade encontrara um rei despótico e uma população subjugada psicologicamente e politicamente. Sentou no meio da praça passando a interrogar as pessoas naquilo que mais temiam, desta forma saiam do encontro diferentes, revelados de si mesmas... Não há governo totalitário que se sustente diante da sabedoria de seus súditos. O rei decidiu ir ter com a ameaça.
- Quem é você para desestabilizar minha cidade? Quem lhe deu o direito?!
- Ora, Vossa Majestade, o direito não é dado, ele sempre esteve lá, só precisa ser revelado para que os homens lancem mão do que é naturalmente seu.
- Então você admite que quer tomar o meu trono? Vai morrer por tamanha insolência!
- Não, Majestade, o trono é seu, porém o povo escolhe a quem servir, que não será a mim ou a qualquer outro, olhe para trás.
Espantado, o rei vê seu legado desmoronar no abandono de suas tropas e de seu povo, todos deram-lhe as costas, saíam da cidade. Vertendo lágrimas de ódio e autopiedade o monarca dirigiu-se ao homem sentado no meio da praça... Foi surpreendido por uma voz dentro de si.
“Estás enganado, este não é o fim de teu reino, vejo para tua descendência um futuro brilhante, comece a reconstruir tua cidade e tua subjetividade, assim, teus súditos e outros mais virão, onde pisas tornar-se-á uma das maiores cidades já vistas”.
Oluas deixou o lugar como de costume lentamente. Sempre procurando um pouso para tornar-se um lago, fonte de conhecimento para os viajantes.
Num dia de festival, uma companhia teatral decidiu encenar o dia dos três, todos queriam prestigiar a nova peça. Lotado, o teatro fervilhava; entre os populares estavam eles, esperando se compreender melhor no palco. Apolo havia mandado em especial uma de suas belas musas para este evento tão importante.
Durante a peça, uma espectadora levanta-se gritando de ódio e como que num passe de mágica, agarra a musa pelos cabelos revelando-a para o público que ficou aturdido. - Pensas que esqueci a vergonha que me fizeste passar? Hermes é meu! Rasgarei tua garganta e ventre, morrerão marrafona e sua cria! Serás lembrada em toda Terra por teu infortúnio! E por tua traição! - espantada a musa tenta se desvencilhar, mas não consegue. - Surpresa, querida? A manopla que uso e este punhal são presentes de Éris... posso prender-te e matar qualquer deus que intervir.
A infâmia do evento fez com que os três levantassem e fossem em direção ao palco.
- Eu sei quem vocês são. Não se metam ou sofrerão as consequências do ciúme feminino. Abrindo, assim, em hemisférios o ventre da musa.
Entreolharam-se mudamente. Os três se viram no futuro, no passado, até em outras vidas. Mudamente se amaram... Misturavam-se em seus pensamentos e sentimentos, nunca se viram, porém, sempre se aguardaram. Sincronizados agiram: Nosdliw agarrou a mão empunhadora da adaga tornando-a uma versão infantil do membro e a adaga retornando a condição de metal bruto; Adidnac rapidamente cortou a relação da infanticida com a deusa Éris, impedindo-a de pedir ajuda enquanto Oluas a fez revelar para si mesma a razão para tudo isso, não era só o ciúme, mas uma intensa insatisfação consigo mesma. Depois de dominada, a mulher foi condenada a conhecer sua própria condição, a estar de laços cortados com a realidade e a ter os membros superiores reduzidos a infantis.
A musa suspirava em direção ao Mundo Inferior, de suas entranhas emergia uma bela criança que já atingia a puberdade, de cabelos vermelhos e beleza sem igual. Anailuj tornou-se tutelada da tríade que a partir de então nunca se separaria por completo.
Anailuj desenvolveu-se bela, articulada e inteligente. Organizava eventos divinos ou mundanos, era capaz de tornar bela ou feia qualquer ideia ou criatura. Assim estavam completos em suas essências, os três que fizeram-se em quatro.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

O mito da amizade

Conta a história que as margens do Mar Egeu existia largo grupo de semideuses e seres místicos reunidos para trocar ensinamentos com os mais novos. Recém-chegados estavam a bela ninfa Ael, uma filha das fúrias Anaya e o filho do Rio Acheloos Oluas. Os três logo travaram fina amizade, apesar de suas diferenças de origens e objetivos. Ael vinha da Arcádia, mas não se sentia segura lá, desejava ser mais que uma ninfa a corres e esperar a próxima investida de qualquer dos voluptuosos deuses do Olimpo. Anaya trazia a tradição de sua linhagem de sangue forte quente e venenoso, caçadora do traidor Tempo, porém desejava se afastar da perseguição imposta por sua linhagem, queria ser estranhamente uma fúria independente. E Oluas estava muito mais intrigado com a reunião de tanta gente, desejava um dia se tornar um lago sereno para aplacar a sede dos viajantes em busca de conhecimento. Completamente diferentes os jovens deram-se as mãos e dividiram alguns medos e algumas esperanças.

O filho do Rio era muito perdido em seus pensamentos que se pretendiam grandes, no entanto terminavam pequenos e mortais como quaisquer outros. Já as outras duas estavam extremamente atentas uma para a outra, enquanto a ninfa oferecia liberdade a fúria; esta a devolvia solidez. Assim acontece quando estamos aptos a deixar que os outros entrem em nossas vidas: como planta rara sua amizade cresceu em solos tão diversos, mas corações extremamente atentos para um respeito incomum...

Como sempre o Tempo aparece, mesmo que apenas sua sombra para modificar tudo, devorar com sua fome aquilo que quase deuses ou quase mortais tanto prezam: o amor. Anaya sonhou com seu inimigo cortando-lhe o ventre com sua foice impiedosa... Nos dias que seguiam sua fúria só fez aumentar, sua ira recaía sobre todo aquele que ousasse falar sobre o Tempo ou tentar escondê-lo, mas ela deveria saber que tal sombra não abandona nenhum dos seres da Terra. A pobre Ael usava de sua alegria arcádica para tentar tirá-la dessa situação, porém ela também tinha seus problemas. Na outra margem do Mar Egeu estava o filho de cérbero, trazia com ele os dissabores do inferno marcados em seu corpo... Impressionada Ael entregou-se vacilante a tal amante... As marcas do inferno são contagiosas...

Contagiada pelo fogo e, de certa forma, ausente a ninfa perdia-se em seus voos entre as portas do inferno e a bela Arcádia. Anaya se sentiu cada vez mais só e o tempo cada vez mais próximo em seus pesadelos. A todo momento procurava por ele nas sombras, nos olhos dos outros, nos sons das palavras, … Tudo poderia ser Ele... e todos pareciam estar a favor Dele. Oluas assistia a tudo espantado, achava que a planta rara nascida resistiria aos vendavais das diferenças entre as amigas. Ledo engano...

Ael tenta deixar as portas do inferno organizando a clareira de aprendizado do Mar Egeu e é mal interpretada por Anaya. As chagas causadas pelo abandono de uma a outra já doíam e tornavam vinagre o vinho da amizade, separadas achavam que iriam seguir...

Até que chegou a notícia de que o Tempo estaria por perto do Mar Egeu e a bela fúria tentaria buscá-lo para curar sua angústia de viver, porém preocupada a doce ninfa pediu ao filho do rio para avisar a Anaya que aquela informação era um simples boato... Era isso! As duas ainda se gostavam, a rara planta nascida no solo de seus corações resistira então.

Saindo de sua posição estática Oluas decidiu escrever nas nuvens do céu para que todos lessem as desventuras de tão bela amizade, para que elas se sensibilizassem e tornassem a dar ao mundo o que ele mais precisa: tolerância e amor.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Grande talento

Casa de massagem

Sou atendente de uma casa de massagem no centro de Salvador há seis meses. Meus parentes acreditam que trabalho como doméstica numa casa de família, mas na verdade ofereço serviços sexuais rápidos e baratos. Tudo é muito simples: os clientes tocam a campainha, encontram dez garotas, escolhem a que desejam, depois pagam e vão embora, como se tivessem acabado de sair de uma lanchonete.
Hoje, observando pelo olho mágico, tive a impressão de que havia um homem com um bebê. Quando abri a porta, descobri que ele carregava o irmão de 19 anos, que não possuía nem braços nem pernas. O homem disse que era aniversário do irmão e queriam comemorar. As meninas, assustadas, baixaram a cabeça com receio de serem contempladas; eu não - talvez por isso ele tenha me escolhido.
Dentro do quarto, tentei puxar conversa, descontrair o ambiente, mas ele não dizia nada. Então, tirei sua roupa cuidadosamente, segurei seu torso como se fosse uma boneca (ele era mais pesado do que aparentava) e o coloquei numa posição que eu imaginava ser a mais apropriada para o ato. Foi a primeira vez que gozei no trabalho.

Herculano Neto. Quero ser Paulo César Peréio

Este interessante conto publicado em fevereiro deste ano revela um mundo moderno; sintético, direto e ousado figura como belo exemplo de literatura contemporânea. Apesar do tema ser recorrente, a concepção de caridade e de prazer entrelaçadas na personagem são reveladoras de um sentimento de certa forma escondido por sua narrativa simples, porém revelado por seus feitos fetichista-caridoso. Recomendo a leitura não só desse conto, mas de todo o livro.

Pessoalmente, o sexo incomum escraviza meu gosto, prefiro lê-lo, escrevê-lo, vê-lo e, sempre que puder, praticá-lo...

domingo, 26 de junho de 2011

Bom gosto ou afetação?

Difícil acreditar no que vivemos hoje em nossa sociedade. O que é mais caro é melhor, mais capaz e mais bonito. Não acredito nesta supremacia do poder do dinheiro. Acredito sim em bom gosto e luto diariamente contra os consensos. O que me leva a mais uma encruzilhada: o que os ditos inteligentes dizem que é bom é realmente bom.Não preciso aqui comentar o quanto o senso comum comercial: loiras, fuleragem music, divas latino-americanas, é agressivo e - pelo amor de deus - é vendido ou comprado, as pessoas ouvem e veem tanto que acham que realmente gostam daquilo. No entanto há algo tão decaído quanto é o senso comum do bom gosto judaico-cristão-pequeno-burgês-capitalista-acadêmico-ocidental. É aquilo que leva a todos a dizer, mesmo sem ter lido, que Machado de Assis é o melhor escritor brasileiro. Não questiono aqui a qualidade do artista, mas a obrigação de gostar do que ele ou qualquer outro coroado pela academia faça.Sou professor de Literatura e não gosto de Dom Casmurro. Isto é considerado um crime por isso enfrento narizes torcidos diante de minha sinceridade. Acredito que este bom gosto artificial é muito mais uma afetação que propriamente uma escolha. Deveríamos ser mais livres para escolher o que é bom... Aliás o que é bom deve vir acompanhado com a pergunta "para quê?", porque não dá para ouvir o Carmina Burana (minha ópera favorita) e dançar juntinho com quem estou paquerando. você pode ler Paulo Coelho para passar o tempo, não para refletir. Você não pode ler Clarice Lispector para matar o tempo, lê-la será um exercício de autoconhecimento... O que nos leva a compreender que a expressão "é bom" deva vir acompanhada com o famoso "para quê?"

sábado, 25 de junho de 2011

O ausente...

Ausência

Por muito tempo achei que a ausência é falta
.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,

ninguém a rouba mais de mim.

Carlos Drummond de Andrade
Estive fora de mim por algum tempo. Gerenciando... Acreditando que minha liderança faria a diferença no meio deste mundo devastado pelo egoísmo... Descobri que mesmo fazendo o melhor que podia algo invisível e pesado caiu sobre os meus esforços me impedindo de seguir... Não estou falando do "sistema" corrompido de nosso governo ou da incapacidade das pessoas de governar a própria vida, quando elas se entregam a instintos primitivos. Isto poderia derrotar qualquer um, mas não estou falando disso... A força invisível que castiga meu incomum senso moral e esquartejou meu desejo de liderança não vem de fora do grupo mas de dentro de cada componente de seus raciocínios, como se tudo aquilo que aprendemos e para o que fomos forjados não fosse verdade. Ensinar deveria ser a bússola, o bem, o norte. No entanto a maioria deles deseja algo diferente. Junto com eles poderia enfrentar o "sistema", os maus costumes, a ignorância, ... Mas o que é um capitão quando ele descobre que só ele continua acreditando e que o barco navega por conta própria sem fazer questão de estar lá... ou de terminar a travessia...?

Sinto-me vencido e com a fé no ser humano abalada, espero continuar fazendo o melhor sem me contaminar... Gostaria de que mais pessoas acreditassem junto comigo. Por isso estive tão ausente de mim mesmo, por isso pretendo me tornar presente novamente.
E o barco-ensino? Bom só me deixe respirar um pouco...