sexta-feira, 26 de junho de 2009

Ainda sobre nascimento... e seu avesso

— Severino, retirante,
deixe agora que lhe diga:
eu não sei bem a resposta
da pergunta que fazia,
se não vale mais saltar
fora da ponte e da vida
nem conheço essa resposta,
se quer mesmo que lhe diga
é difícil defender,
só com palavras, a vida,
ainda mais quando ela é
esta que vê, severina
mas se responder não pude
à pergunta que fazia,
ela, a vida, a respondeu
com sua presença viva.
E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida
como a de há pouco, franzina
mesmo quando é a explosão
de uma vida severina.

João Cabral de Melo Neto. Morte e Vida Severiana

Interessante como Cabral consegue explicar vida e morte tão indissociáveis. Creio que ele esteja com a razão: todo nascimento por mais próximo da morte que esteja, merece ser festejado. Do contrário, não seria nascimento. Sei que otimismo não é uma de minhas qualidades, no entanto tenho mergulhado nesta nova experiência que é, apesar de tudo, acreditar na humanidade. E claro, o título do blog perderia o sentido se eu não trouxesse otimismo para estas linhas virtuais. Interessante é que esta nova fase da minha vida não perdeu o habitual peso herdado das outras. Na verdade, agora, sei o porquê de carregar tantas coisas comigo, o que nunca foi exatamente ruim... me definiu como pessoa, me tornou melhor do que eu esperava. É... nascer é bom, renascer é melhor ainda. O blog agradece a credibilidade do próprio autor.

Por que tal nome?

Obviamente, os motivos que me levaram a usar tal música como intertexto de meu título neste blog ficam claros para aqueles que conhecem minha História e fatalmente conhecem a música. Apesar de pouco comentar sobre este blues, obra de arte interessantíssima, ele fala muito do que entendo como relacionamento família-indivíduo. Usando a mãe como ponto de partida... (lógico, o começo de tudo), a música vai da imagem mais comum como velhos e plantas, crianças verdadeiras às mais complexas como Rimbaud negociando escravas brancas e a expressão do inconsciente: ser currado por animais. Isto tudo para dizer como nós fantasiamos nossa família, achamos que são infalíveis e que só nós somos "sujos", no bom sentido. O melhor é ver a verdade... e amá-la... Amar a imperfeições dos pais e familiares próximos, amar a si mesmo e se perdoar por não ser tão igual quanto pensavam. E para falar a verdade: ser igual a todo mundo é um saco!

So As Mães São Felizes

Composição: Frejat / Cazuza

Você nunca varou
A Duvivier às 5
Nem levou um susto Saindo do Val Improviso
Era quase meio-dia
No lado escuro da vida

Nunca viu Lou Reed
"Walking on the wild side"
Nem Melodia transvirado
Rezando pelo Estácio
Nunca viu Allen Ginsberg
Pagando michê na Alaska
Nem Rimbaud pelas tantas
Negociando escravas brancas

Você nunca ouviu falar em maldição
Nunca viu um milagre
Nunca chorou sozinha num banheiro sujo
Nem nunca quis ver a face de Deus

Já frequentei grandes festas
Nos endereços mais quentes
Tomei champanhe e cicuta
Com comentários inteligentes
Mais tristes que os de uma puta
No Barbarella às 15 pras 7

Reparou como os velhos
Vão perdendo a esperança
Com seus bichinhos de estimação e plantas?
Já viveram tudo
E sabem que a vida é bela

Reparou na inocência
Cruel das criancinhas
Com seus comentários desconcertantes?
Adivinham tudo
E sabem que a vida é bela

Você nunca sonhou
Ser currada por animais
Nem transou com cadáveres?
Nunca traiu teu melhor amigo
Nem quis comer a tua mãe?

Só as mães são felizes...

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Sempre devemos começar pela poesia


Acredito que devam achar que eu iria usar um poema, mas como negar que invariavelmente a explosão de uma vida em si, no meio do cheiro de sangue fresco e envelhecido, entre corpos que se separam quase que forçosamente? A poesia se instraura sem saber de si entre coisas belas e hediondas. O mundo uterino é deixado para trás e o doloroso oxigênio de nós seres humanos invade aquele ente que não se reconhece gente, porém se reconhece vida... E como tal, agride os próprios pulmões no afã pela vida futuramente negada. A pior das certezas lhe atinge sem o abrigo-mãe. Tenebroso caminho se desenha e ao mesmo tempo sublime chegada se pinta... Iniciada a grande travessia... iniciada mais uma peleja... Iniciado um novo mundo...